Os espaços públicos de propriedade privada, apelidados de POPS devido à sigla de seu nome em inglês — privately owned public spaces —, nasceram em Nova York, em 1961, a partir de uma estratégia de incentivo do poder público à criação de áreas livres, de uso público, em imóveis privados, com zeladoria realizada pelo proprietário.
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Esse tipo de espaço, que se baseia numa relação de diálogo ou permeabilidade entre as esferas pública e privada, nasce da necessidade de áreas de lazer, descanso e fruição em regiões urbanas já adensadas, onde é rara a disponibilidade de terrenos para a instalação de praças e parques públicos.

A oferta de POPS se torna interessante não só para o ambiente urbano mas também para o proprietário do imóvel que o disponibiliza, devido aos incentivos oferecidos pelo poder público para a sua instalação. Esses geralmente se relacionam à possibilidade de acréscimo de potencial construtivo ou desconto em taxas, ou contrapartidas onerosas (como a outorga onerosa do direito de construir, no Brasil) de forma proporcional à dimensão do espaço de fruição pública ofertado.

Ao longo das últimas décadas, observa-se que os POPS se difundiram para diversas cidades do mundo, sendo inseridos especialmente nas legislações urbanísticas de grandes cidades com centros mais adensados.

A variação nas regulamentações, no entanto, resulta em relações diferentes entre as esferas pública e privada, muitas vezes desafiando o caráter de fruição pública e irrestrita presente na raiz do instrumento.

Buscando realizar uma reflexão sobre essas diferenças, o presente artigo visa apresentar alguns aspectos dos POPS em quatro contextos urbanos e enquadramentos legais distintos: Nova York, Londres, Hong Kong e São Paulo.

Nova York

Nova York, como já mencionado, é a cidade pioneira na permissão e incentivo de espaços públicos de propriedade privada, tendo incluído-os na sua legislação de zoneamento urbano em 1961. Ao longo do tempo, os formatos e configurações permitidas — inicialmente praças e arcadas — foram se expandindo para abranger galerias, pátios, pocket parks e até espaços internos.

Atualmente, segundo a Agência de Planejamento de Nova York, a cidade conta com 592 POPS dos mais variados tipos, cuja localização e informações sobre funcionamento são disponibilizados online de forma atualizada.

A regulamentação para instalação e manutenção é extensa, possuindo particularidades em cada distrito, mas, no geral, se impõe que os POPS sejam universalmente acessíveis, localizados no mesmo nível da calçada ou visualmente conectados à rua, possuindo no mínimo 2 mil pés quadrados (equivalentes a 609,6 m²) de extensão.

Os espaços devem, ainda, fornecer mobiliário urbano apropriado, sombreamento e vegetação, além de sinalização clara que indique o caráter público do espaço, com informações sobre horário de funcionamento e sobre o proprietário responsável pela manutenção.

Os incentivos para a implementação, em Nova York, se relacionam à concessão de área adicional de construção, que varia de acordo com o tipo e localização do POPS ofertado. Por exemplo, para praças, são concedidos 1,2, 1,8 ou 3 m² adicionais, a depender do zoneamento, por cada metro quadrado de praça construída. Já para arcadas, são concedidos de 0,6 a 0,9 m² adicionais por metro quadrado de arcada.

Os principais desafios que os POPS parecem enfrentar dizem respeito à continuidade da manutenção dos espaços pelos proprietários. A reincidência dessa situação levou a Prefeitura de Nova York a aplicar multas para os responsáveis por espaços inconformes — em 2016, por exemplo, noticiou-se que a Trump Tower foi multada em U$ 10.000 por ter retirado bancos do espaço público pelo qual se responsabilizava.

Há, ainda, a questão da dificuldade de fiscalização. Apesar de serem exigidos relatórios anuais de conformidade dos espaços, há queixas de falta de fiscalização por parte do poder público. A maioria dos casos de inadequação são identificados através de denúncias dos usuários, bastante ativos na cobrança dos padrões de qualidade dos POPS.

Londres

Em Londres, por sua vez, desafios ligados aos POPS parecem relacionar-se à possibilidade de controle demasiado desses espaços por parte dos proprietários e à falta de transparência, ou de publicização, da sua titularidade particular.

Reportagem do The Guardian relata, por exemplo, questões como o cerceamento de liberdade na forma de utilização ou manifestação em espaços “pseudo-públicos” — apelido dado aos POPS pelo jornal — e a ausência de sinalização indicativa de regras de utilização, que possibilita que seguranças estabeleçam padrões restritivos ou arbitrários aos frequentadores.

A falta de publicização de informações sobre o tema dificulta, inclusive, a identificação e contagem dos espaços. O primeiro mapeamento dos POPS de Londres divulgado publicamente ocorreu apenas em 2017, quando o Greenspace Information for Greater London (GiGL) identificou 57 espaços que se encaixavam na definição de POPS na cidade.

É fato que no caso inglês não houve, como ponto de partida, um marco legal para os POPS, como ocorreu em Nova York. Parece ter havido uma implementação mais voltada para o “caso a caso”, no contexto de projetos de requalificação ou revitalização urbana, onde os benefícios, obrigações e parâmetros de construção e zeladoria se estabeleceram em acordos bilaterais entre público e privado.

Apesar das controvérsias e dos contornos turvos do instrumento até o momento, pesquisas conduzidas pela City Hall em 2019 para a revisão do London Plan 2021apontam que, na maioria dos casos, os usuários consideram os POPS seguros e acolhedores.

Constatou-se que eles não comportam menor diversidade de usuários que os espaços de titularidade pública, apesar da confirmação de que há, sim, um maior policiamento e regras opacas de utilização, o que deve ser corrigido por regulamentação apropriada.

A pesquisa cita os exemplos proeminentes de Granary Square, em King’s Cross, e do More London, em City Hall, para argumentar que “espaços públicos de propriedade privada não representam a privatização de bens públicos, mas sim a abertura ao público do que antes era privado e inacessível”.

Em 2020, a Prefeitura de Londres começou a estabelecer balizadores mais claros para a implementação dos POPS na cidade, com a elaboração da Public London Charter, espécie de cartilha que define princípios para a gestão e manutenção dos espaços públicos, incluindo aqueles de titularidade particular.

Tais princípios incluem o uso gratuito e irrestrito, 24 horas por dia, e o estabelecimento de critérios de transparência e de regras de utilização. A cidade parece carecer, ainda, da definição de padrões construtivos para os espaços, bem como de mecanismos de ouvidoria para mediar conflitos entre proprietários e cidadãos.

Hong Kong

Em Hong Kong, os POPS foram introduzidos na década de 1980, também com a intenção de ampliar o número de espaços públicos através de fortes incentivos sob a forma de bônus em área construída. Tais bônus podem chegar a até cinco vezes o tamanho da área pública ofertada, no caso de espaços ao rés do chão, e a duas vezes, quando o POPS for disponibilizado em outros pavimentos. É relevante ressaltar que, na cidade, esses espaços se desenvolveram com algumas diferenças expressivas em relação aos seus equivalentes ocidentais.

Eles surgem relacionados a projetos de renovação urbana, numerosos a partir da década de 1980 com o rápido crescimento experimentado por Hong Kong, remodelando áreas mais antigas a partir de grandes empreendimentos imobiliários.

Segundo Na Xing e Kin Wai Michael Siu, da Universidade Politécnica de Hong Kong, tais intervenções modificaram a identidade do espaço público na cidade. Áreas comunais e pátios internos em núcleos de bairros residenciais — a forma tradicional de espaço público da cidade — foram substituídos por POPS majoritariamente localizados sobre estações de transporte de massa ou em shopping centers, de forma que boa parte desses espaços é interna e/ou ligada à exploração do uso comercial.

Há, nesse caso, aspectos que indicam modificações na compreensão e vivência do espaço público em Hong Hong — fechado, supervisionado e não localizado ao nível da rua. Embora a Agência de Desenvolvimento Urbano forneça, desde 2011, diretrizes para o desenho e gestão dos POPS, há diversas questões controversas relacionadas à configuração desses ambientes: de acordo com W. L. Luk, da Universidade Chinesa de Hong Kong, cerca de 70% dos POPS possuem menos de 50 m² e se apresentam como espaços de circulação entre quadras ou entre imóveis. Apesar de serem úteis para oferecer caminhos alternativos ao alto fluxo de pedestres nas áreas mais densas, eles não se integram a espaços públicos de lazer, descanso ou recreação.

Ainda assim, existem ao menos 88 exemplos de POPS ao ar livre na cidade, com localização mapeada e informações disponibilizadas pelo governo. Apesar de Kin Siu considerarem sua quantidade insuficiente, especialmente ao se levar em conta aqueles POPS não orientados ou relacionados ao consumo, admite-se que os POPS complementam de forma interessante o sistema de espaços públicos da cidade, em paralelo aos espaços de titularidade pública.

Boa parte desses POPS possui sinalização apontando o caráter de uso público e informa o horário de funcionamento, proprietário e regras de utilização. Porém, como observado nos exemplos abaixo, algumas das áreas possuem parâmetros bastante restritivos de utilização, bem como relatos de restrições ao livre acesso público.

São Paulo

As experiências de implementação de POPS ao redor do mundo influenciaram o acolhimento e consolidação do instrumento no Brasil, especialmente a partir dos anos 2010. Apesar de existirem experiências mais antigas, como o vão do MASP em São Paulo, a regulamentação dos POPS, bem como o seu incentivo através de bônus construtivos, começou a ser vista na legislação urbanística brasileira apenas mais recentemente.

Nesse contexto, os POPS ganharam as denominações de “espaços de fruição pública” (Plano Diretor de São Paulo, 2014 e revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro, 2021), ou “gentileza urbana” (Plano Diretor de Belo Horizonte, 2019).

Tomando o marco legal pioneiro no contexto brasileiro — o Plano Diretor de São Paulo (2014) e sua respectiva Lei de Uso e Ocupação do Solo (2016) —, os espaços de fruição pública são considerados parte de uma estratégia mais ampla, de incentivo a um maior diálogo entre as esferas pública e privada no nível do passeio público, com diversidade de usos e fachadas ativas nos térreos, expansão das calçadas e áreas permeáveis/caminháveis dentro das quadras.

São permitidos diversos tipos de fruição pública, dentre praças, galerias e afastamentos laterais, desde que se localizem no nível térreo, com ligação direta à calçada, e possuam dimensão mínima de 250 m². Tais espaços devem estar permanentemente abertos e livres de obstáculos, com acesso irrestrito da população.

O incentivo, no caso paulista, não resulta em acréscimo de potencial construtivo ao imóvel mas sim em desconto na Outorga Onerosa do Direito de Construir, equivalente à metade do potencial construtivo máximo relativo à área de fruição pública ofertada.

Outro aspecto relevante é que o incentivo não vale para a cidade toda mas para centralidades e eixos de estruturação da transformação urbana. A oferta de fruição pública torna-se obrigatória para empreendimentos instalados em terrenos com área superior a 5.000 m² e inferior a 40.000 m², devendo ocupar ao menos 20% do lote.

Um exemplo recente da implementação de fruição pública nestes moldes é a do Complexo B32 na Faria Lima, que oferece praça e galeria aberta ao público, em uma área que carece de espaços públicos e de uma maior humanização no tratamento urbano na escala do pedestre.

Ainda existem poucos exemplos de fruição pública no contexto brasileiro, que começa a caminhar rumo à regulamentação e maior difusão deste tipo de espaço. A pouca experiência na aprovação, concessão dos benefícios e fiscalização, por parte do poder público, torna as experiências pioneiras mais desafiadoras.

No entanto, como este artigo buscou demonstrar, os POPS possuem um potencial expressivo, especialmente nas grandes cidades brasileiras, para complementar os sistemas de espaços públicos existentes, com novas formas de gestão e governança.

Para o sucesso do instrumento e um real impacto na cidade, no entanto, é importante que se estruturem incentivos interessantes à sua implementação, e que se preparem os departamentos de planejamento urbano para analisar e aprovar projetos desse tipo, avaliando a qualidade dos equipamentos, mobiliário e vegetação propostos.

É essencial, além disso, que se garanta o caráter público destes espaços, através de bons marcos legais e mecanismos de transparência e fiscalização, com penalidades para o descumprimento da legislação, garantindo que os acordos e a boa relação entre público e privado sejam respeitados.

Via Caos Planejado.